Antes de mais nada, ser tolerante não é o mesmo que respeitar e reconhecer a legitimidade alheia tal qual a sua própria. Quem apenas tolera carrega ainda os vestígios de superioridade. De toda forma, estamos muito longe de sequer experimentar relações básicas baseadas neste princípio diminuto.
Há um certo pudor quando se fala em religião, mais precisamente quando se critica determinadas religiões. Um ditado diz, inclusive, que este é um dos assunto que não se deve discutir.
Um caso emblemático se deu em 21 de janeiro de 2000. Nesta data, a mãe Gilda teve sua casa invadida, foi golpeada na cabeça com uma bíblia e chamada de charlatã, e seus objetos de culto foram destruídos… Depois de muito sofrer, seu coração não resistiu. Muitas outras atrocidades foram cometidas contra sua casa e sua família, e são cometidas ainda hoje contra a povos de Matrizes Africanas..
Assim, preconceitos, discriminações e desrespeitos de toda ordem abrigam-se facilmente sob a égide religiosa, com a vã argumentação de que é a “minha fé” ou “é assim que eu penso”. A ignorância em relação a práticas distintas da sua ganha uma roupagem de afirmação da própria crença, confundindo-se a liberdade de expressão religiosa com o “direito” a oprimir e destruir simbólica ou fisicamente outrem.
Não se trata, portanto, de “apenas” não tolerar a todas as outras religiões diferentes da sua. Não quero diminuir com isso o peso da intolerância a outros grupos, mas evidenciar que no Brasil, por trás do que chamamos de intolerância religiosa, escondem-se outros fatores ainda mais perversos relacionados à história política e econômica do País.
No Brasil, o que observamos não são crenças conflitantes que se colocam da mesma maneira no campo de disputa por espaços, números e cifras. Mas o fato de grupos religiosos sem caráter proselitista serem perseguidos de maneira sistemática, violenta e absolutamente desproporcional. Estes grupos são, não coincidentemente, aqueles que praticam religiões de matriz africana.
Não observamos a mesma violência e ataque sistemático ser cometido contra nenhuma outra manifestação religiosa. Portanto, quando estamos falando de intolerância religiosa no Brasil, estamos falando de uma manifestação do RACISMO.
Precisamos tomar muito cuidado no que falamos, não caindo na armadilha de achar que podemos falar abertamente do que não conhecemos, do que só escutou por alto. Se colocando no lugar de quem se afeta com o que está sendo dito. Por: Lorrama Machado, ex-coordenadora do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa (Ceplir).