Fernanda Leme_Fim da Infância II_2013_acrílica, óleo e colorjet sobre tela

Foto/Divulgação

Com curadoria de Alexandre Sá, exposição “Monstros” reúne cerca de 80 trabalhos, que discutem a pintura e a fotografia na contemporaneidade

 

No dia 3 de outubro, às 18h30, será inaugurada a exposição “Monstros”, na Z42 Arte, com um panorama dos onze anos de trajetória da artista carioca Fernanda Leme. Com curadoria de Alexandre Sá, serão apresentadas cerca de 80 pinturas, a maioria delas inéditas, produzidas desde 2013 até hoje, que discutem a pintura e a fotografia na contemporaneidade. Partindo de sua própria vida, a artista debate, através de suas obras, questões que são comuns a todos, como a sociedade líquida em que vivemos, a fugacidade das imagens, o luto, as perdas e a saudade. “A exposição é uma crônica da nossa época, um trabalho de memória e de imagem”, conta a artista. No dia 26 de outubro, às 17h, ela fará uma visita guiada com o curador Alexandre Sá na exposição.

As pinturas partem de figuras humanas presentes em fotografias antigas, ou feitas pelo celular ou extraídas de mídias, mas que são acrescidas de imagens de sua imaginação e memória, além de elementos do dia a dia. “As obras potencializam e atualizam o debate entre pintura e fotografia na contemporaneidade a partir da perspectiva da explosão das imagens, das selfies, da fugacidade da captura do instante e da eventual fragilidade da vivência do momento. Considerando o legado da impermanência, os trabalhos problematizam a duração das imagens e de sua inevitável obsolescência, atravessados pela experiência da artista, que também surge como uma cronista afiada”, afirma o curador Alexandre Sá no texto de apresentação da exposição.


Filha da jornalista Lúcia Leme (1938-2021), Fernanda cresceu em uma família de mulheres fortes e empoderadas e seu trabalho reflete isso. “Discuto o feminino, o retrato da mulher, muitas vezes expondo a minha própria imagem, enfatizando o protagonismo feminino”, afirma a artista, que faz diversos autorretratos em um contraponto com as selfies da atualidade.


O nome da exposição, “Monstros”, foi retirado da pintura homônima de 2013, que estará presente na exposição. Nela, uma pessoa aparece capturada por dois homens encapuzados e cercada por anjos e diabos. “Eu pesquiso os monstros do nosso tempo, como o peso e a grandeza da História da Arte, por exemplo, além do peso do luto e das perdas”, conta a artista. “O título da exposição, consideravelmente irônico, nos pergunta em que medida a monstruosidade angustiada de captura do presente nos sufoca e enjaula em uma fantasia de liberdade, nos questionando inclusive, sobre a monstruosidade do próprio legado da pintura na História da Arte”, ressalta o curador. 


PERCURSO DA EXPOSIÇÃO

Logo na entrada da exposição haverá um grande painel, com 56 pinturas em formato 30cmX40cm, que fazem uma analogia com as fotos 3X4, em que a artista retrata rostos de mulheres de sua convivência e também anônimas, produzidas desde 2014 até hoje. ‘É um working in progress, que não termina nunca, vou sempre acrescentando mais rostos”, conta. Os trabalhos remontam o período anterior ao surgimento da fotografia, em que os artistas pintavam retratos das pessoas para que aquela imagem fosse eternizada, como uma foto, e fazem um contraponto com a atualidade. “Discuto a sociedade líquida, a rapidez com que tudo acontece. As milhares de selfies que são feitas, na maioria das vezes são jogadas fora, não chegam nem a serem impressas.  A pintura é o contrário, tem um tempo para ser feita”, ressalta a artista.


Na sala seguinte, haverá obras da série “Fim da Infância”, composta por cinco trabalhos em grandes dimensões, incluindo um políptico de 2013, medindo 149cmX211cm. Nesta série, os personagens são retratados ao lado de seus super-heróis favoritos. “Esses trabalhos discutem a perda da ingenuidade, criando desconforto entre o retrato e o super-herói, que é uma coisa imaginária, uma fantasia”, conta.

 

Seguindo o percurso da exposição, estarão pinturas da série “Retratos”, produzidas desde 2013, em que a artista pinta pessoas em diversas situações, incluindo ela mesma. As obras são feitas a partir de retratos, mas com a introdução de novos elementos criados pela artista, além da modificação das cores originais “É como se esses retratos não permanecessem como as pinturas antigas permaneciam, pois faço uma pintura planar e misturo com outros elementos que não estavam na fotografia original”. Um exemplo é a obra “No trem” (2018), feita a partir de uma fotografia da própria artista dentro de um trem em 1981. “A construção de baixíssima volumetria e o acontecimento de um certo exotismo da cor, evidenciam um processo de tensionamento da imagem que, talvez, conscientemente, conheça sua perecibilidade. Se a tela historicamente é um suporte da duração e da presença, as personagens aqui parecem escorrer em suas memórias, como se assumissem seu tempo curto e seu inevitável esquecimento nada trágico”, diz o curador.

 

Na sala seguinte, estarão trabalhos da série “Luto”, de 2023, feitos quando a artista descobriu um câncer de mama após ter perdido o irmão, a mãe e o pai também de câncer. Diante da situação, Fernanda Leme resolveu olhar de forma positiva para a vida, retratando a si mesma durante o tratamento. Ao contrário do que se pode pensar, as obras possuem cores fortes e brilhantes, passando um ar de positividade diante da situação. “É um trabalho muito movido pela minha história de vida, mas que também é a história de milhares de pessoas, mas isso ainda é pouco falado. Resolvi encarar como algo que acontece na vida, com leveza. Nunca parei de produzir”, diz. “As obras aqui reunidas bordam a experiência do indizível a partir da experiência pessoal e das memórias da artista. Por certo não se trata de um trabalho que faz mau uso da psicanálise, ou de um tipo de trabalho que semanticamente retroalimenta os traumas pessoais, mas de um conjunto vigoroso de obras que evidencia a qualidade do enfrentamento árduo diante do abismo individual cotidiano”, afirma o curador.


No final de 2023, a artista fez a pintura “Pente”, que mostra o objeto em um fundo rosa-choque com fios de cabelo presos a ele. “Esse foi o ponto de virada, de mutação na minha vida e na minha obra. É a conclusão de todo esse ciclo de perdas e transformações, com esta nova fase que está se iniciando”, conta. A partir daí, Fernanda Leme começou a trabalhar na mais recente série “Morfemas”, com trabalhos mais geométricos, em que os fios de cabelo aparecem como elementos da obra, criando desenhos, como se fossem pequenos signos. 

 

SOBRE A ARTISTA

Fernanda Leme vive e trabalha no Rio de Janeiro, onde nasceu. Arquiteta e artista visual, no ano de 2009 ingressa na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e faz parte também da Escola Sem Sítio e do grupo de estudos Arte e Filosofia com Paulo Sérgio Duarte. Faz parte do grupo de estudo “Em Obras”, com Alexandre Sá. Em 2013, participa da exposição itinerante Mais Pintura!, do Salão Abre-Alas, em 2017, na galeria A Gentil Carioca. Desde então participa de várias mostras em espaços culturais no Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza e Minas Gerais, como Casa França-Brasil, Centro de Arte Hélio Oiticica, E.C.C.O. Espaço cultural, Parque Lage-EAV e Galeria Sem Título. Faz sua 1ª individual, “Em que espelho ficou perdida a minha face”, em 2019, no Instituto Europeu de Design (IED), no Rio de Janeiro. Em 2022 participa do Salão Verão, na galeria Oásis, e da exposição Tu que me deste o teu cuidado, no Sesc Copacabana, além da exposição AHRUYNADA, no espaço Triplex. Em 2023, participa das exposições Bodas de Linho e Corações a Desmedida, no espaço Solar dos Abacaxis, Rio de Janeiro.

 

SOBRE O CURADOR

Alexandre Sá é artista-pesquisador. Curador e crítico de arte. Pós-doutorando em História pelo PPGH-UFF sob supervisão de Daniel Aarão Reis. Pós-doutor em Filosofia pelo PPGF-UFRJ sob supervisão de Rafael Haddock Lobo. Pós-doutor em Estudos Contemporâneos das Artes pela Universidade Federal Fluminense sob supervisão de Tania Rivera. Procientista-UERJ e Jovem Cientista/FAPERJ (2022-2025) com o projeto Políticas da escrita – Hélio Oiticica e o Rio de Janeiro. Atual diretor do Departamento Cultural da UERJ (2024-2027). Professor do Programa de Pós-graduação em Artes (PPGARTES). É um profissional híbrido que trabalha com diversas linguagens (performances, instalações, textos críticos e vídeo) e a particularidade de sua pesquisa prático-teórica são as relações entre o texto, a imagem, a poesia, o corpo e a psicanálise. Atualmente é editor-chefe da revista Concinnitas do Instituto de Artes da UERJ, avaliada como A1 pela CAPES. Líder do Grupo de Pesquisa A arte contemporânea e o Estádio do espelho e do Grupo Modernismos:heranças e horizontes, ambos certificados pelo CNPQ. Coordenador do Programa de Extensão Acrítica. Atual coordenador do Fórum Nacional de Editores de Periódicos em Artes. Membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas – Comitê de Poéticas Artísticas. Sócio da Associação Internacional de Críticos de Arte. Sócio da Associação Brasileira de Críticos de Arte.

 

Serviço: Fernanda Leme – Monstros

Abertura: 3 de outubro, às 18h30

Exposição: 4 a 31 de outubro de 2024

Visita-guiada com a artista e o curador: 26 de outubro de 2024, às 17h

Z42 Arte

Rua Filinto de Almeida, 42, Cosme Velho – Rio de Janeiro

Telefone: (21) 98148.8146

De segunda a sexta, das 11h às 16h. Sábado, mediante agendamento.

Entrada franca

 

Fonte: Beatriz Caillaux

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