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Prevista em lei e objeto de resolução recente do CNJ, entrega de recém-nascidos cresceu 22% no ano passado no Estado do Rio. No Brasil, são 4 a 5 casos por dia

Sem recursos financeiros, sem apoio familiar, Ana (nome fictício) optou pela entrega voluntária e protegida do bebê logo após dar à luz numa maternidade pública carioca. A criança, de pai não identificado, fruto de uma gravidez não planejada, foi acolhida pela equipe técnica da unidade de saúde e entregue a um abrigo. A manifestação do interesse da mãe biológica em renunciar ao poder familiar foi confirmada na Justiça e hoje, com menos de um ano de vida, o menino está prestes a se tornar oficialmente filho de um casal de outro estado, que aguardava na fila. 

A história de Ana e de seu recém-nascido é uma dentre tantas que podem ser lembradas no Dia Nacional da Adoção — 25 de maio, data determinada por lei para reflexão e incentivo à criação, ao estreitamento e à legalização do vínculo afetivo entre crianças e adolescentes com pais e mães do coração.

Casos como esse chegam cada vez com mais frequência a defensoras e defensores públicos com atuação em Varas de Infância e Juventude. O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento registrou em 2021 exatas 1314 entregas voluntárias, em todo o país. Em 2022, foram 1667. No Estado do Rio de Janeiro, 100 e 122, respectivamente. Na média, no Brasil, são quatro ou cinco crianças entregues por dia, legalmente, pela mãe (ou também pelo pai) biológico. No Rio, cerca de dez, a cada mês — ou 22% a mais que no ano anterior.

— São crianças que estariam hipervulneráveis se as mães não tivessem tal atitude. Muitas dessas mulheres relatam que a entrega para adoção é um “ato de amor”, que assim querem assegurar à criança um futuro e uma vida que pensam não poderiam proporcionar — explica a defensora pública Simone Moreira de Souza.

A entrega legal para adoção é prevista expressamente desde 2017 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e objeto de Resolução 485, do Conselho Nacional de Justiça, de 18 de janeiro último, que dispõe “sobre o adequado atendimento de gestante ou parturiente que manifeste desejo de entregar o filho para adoção e a proteção integral da criança”. 

A iniciativa busca resguardar a mãe biológica, evitar o abandono de bebês e tornar mais ágil o processo legal de adoção. Uma vez que a Justiça, com anuência da genitora (e também do pai, quando presente) extinga o poder familiar, a criança está apta para conviver com uma nova família.

— A entrega clandestina de recém-nascidos, ou até o abandono, sempre se deu pelo medo das mães de serem julgadas e criticadas. São, na maioria das vezes, mulheres sós, pretas, sem nenhum amparo, que não conseguem exercer a maternidade. A entrega protegida permite à mãe biológica abdicar do filho legalmente, sem se expor num momento tão delicado e que, quase sempre, é de absoluta solidão — salienta a defensora.

Adoção mais rápida

Foi assim com Ana, que entregou o filho para adoção “por se considerar incapaz de assumir os cuidados materiais e afetivos de que a criança necessita”. O bebê, que nasceu prematuro e com a saúde frágil, teve os primeiros contatos com os pais adotivos a distância, por videochamadas, às quais se seguiram visitas presenciais ao abrigo. 

Não raro, com poucas semanas de vida, os bebês entregues legalmente para adoção já têm a guarda provisória solicitada por candidatos a mãe e/ou pai. Há bebês que chegam à nova família quase imediatamente após o nascimento. No ano passado, um menino com apenas dois meses de nascido teve a guarda provisória concedida a um rapaz habilitado e que esperava sua vez na fila do Cadastro Nacional de Adoção. Os pais biológicos decidiram pela entrega legal e solicitaram extinção do poder familiar, pois “desconheciam a gravidez até a 36° semana da gestação” e “não desejavam essa gravidez, em razão de já serem pais de dois filhos.”  

Foi também aos dois meses de idade que outra criança passou à guarda provisória de adotantes, uma vez que seus pais biológicos optaram pela entrega voluntária e protegida. “A gestação foi indesejada em razão de não se sentirem preparados para tal responsabilidade no momento”. O casal se considerou inapto para criar o bebê, pois passava por tratamento psicológico para depressão e outros transtornos. 

Apesar de ter renunciado à criança em juízo, a mãe (e o pai) pode voltar atrás e reconsiderar a decisão. A lei determina que em até dez dias, a contar da audiência de extinção do poder familiar, é possível comunicar arrependimento e pedir para manter o bebê. Só depois desse prazo a criança é inserida no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento.

— Ainda que a mulher já tenha informado, durante o pré-natal ou no momento do parto, interesse na entrega legal, o bebê tem direito à primeira certidão de nascimento com o nome da mãe. Só depois da audiência judicial e da sentença determinando a extinção voluntária do poder familiar é que a criança pode ser considerada pronta para adoção e, ainda assim, se decorridos os dez dias durante os quais os pais biológicos podem se arrepender — destaca a defensora.

Abordagem humanizada

Ao longo de todo o processo, desde o primeiro momento em que declara querer entregar o recém-nascido, a genitora deve ser assistida por equipe multidisciplinar capaz de ampará-la e ao bebê. A resolução do Conselho Nacional de Justiça deixa claro que os casos devem receber abordagem humanizada e tratamento acolhedor, evitando constrangimentos à mulher e garantindo os direitos fundamentais da criança.  

E cabe aos Tribunais de Justiça de todo o país assegurar que todos os procedimentos administrativos respeitem essas diretrizes, inclusive integrando as redes de atenção de saúde feminina, as Varas de Infância e todo o sistema de Justiça, da qual faz parte a Defensoria Pública. 

Além disso, a extinção do poder familiar voluntário deve tramitar em segredo, mas a mãe, caso queira, pode fazer constar no processo judicial informações que ajudem localizá-la no futuro. É o chamado direito à origem biológica, que permite a pessoas adotadas buscar conhecer sua história, inclusive quem os deu à luz.  

— Mesmo nos casos em que a mãe biológica pede sigilo absoluto sobre sua identidade, os filhos, quando crescidos, podem pedir autorização judicial para ter acesso aos dados disponíveis no processo — ressalta Souza.

A defensora orienta as mulheres que buscam atendimento na Defensoria Pública pretendendo a entrega legal para adoção que, caso desejem, deixem uma cartinha endereçada ao filho ou à filha. O conteúdo é livre. O texto, manuscrito, é anexado ao processo, também mantido em sigilo e estará à disposição da pessoa adotada, nos autos.

— A redação da cartinha é um momento de catarse, que ajuda na superação de uma situação tão difícil — define a defensora pública. 

Além disso, no atendimento realizado na Defensoria, as mulheres que estejam vivendo esse tipo de situação, recebem toda a orientação jurídica necessária, com esclarecimentos sobre programas de apoio e prazos para a desistência do processo. 

Até o momento, não há registro de processos de adoção tramitando na 1ª ou na 2ª Vara de Infância da Capital, onde Souza atua, com solicitação de acesso a essas mensagens de despedida, uma vez que a alteração legislativa ocorreu há cinco anos e, portanto, as crianças adotadas neste período ainda não atingiram a maioridade.

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