Seminário foi realizado em Belém, sediado pela prefeitura da capital paraense e contou com representantes, especialistas e pesquisadores de diversas entidades, inclusive de pessoas refugiadas estudiosas e impactadas pelas questões climáticas no Brasil
O nexo entre mudanças climáticas e o deslocamento forçado tem se tornado cada vez mais evidente, conforme noticiado pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) em publicações recentes. À medida que eventos climáticos extremos e condições ambientais pioram com o aquecimento global, eles contribuem para múltiplas e sobrepostas crises, ameaçando os direitos humanos, aumentando a pobreza e a perda de meios de subsistência, tensionando as relações pacíficas entre comunidades e, em última análise, criando condições para mais deslocamentos forçados
Como forma de promover um espaço para a reflexão conjunta sobre essas questões com o intuito de promover a inclusão de refugiados e outras pessoas em situação de deslocamento forçado nas políticas públicas que impactam suas vidas, o seminário “Mudanças Climáticas, Deslocamento e Direitos Humanos: contribuições à elaboração de políticas públicas” foi realizado nos dias 20 e 21 de junho, em Belém-PA.
O evento foi realizado pelo ACNUR com o apoio da Prefeitura de Belém, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, do Ministério da Justiça e Segurança Pública e da Embaixada do Canadá, contando com a presença e participação de diversas pessoas em necessidade de proteção internacional que vivem no Brasil. Ermando Prevoir é exemplo desta delegação e proferiu uma fala muito aplaudida na mesa de abertura do evento.
“Fui selecionado pelo ACNUR Global como uma das vozes climáticas de pessoas deslocadas (…) e a justiça climática exige a participação de toda a sociedade na busca por soluções. Devemos trabalhar juntos para garantir que as necessidades das populações em deslocamento sejam consideradas nas políticas de gestão de riscos climáticos, nas respostas emergenciais a desastres e nas ações de preparação e recuperação”, afirma o haitiano que concluiu o seu doutorado sobre questões climáticas neste ano na Universidade Rural da Amazônia (UFRA), em Belém.
Também participaram do evento representantes de diversas entidades e instituições, incluindo o Fórum Municipal de Mudanças Climáticas de Belém, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Porto Alegre, o Comitê Estadual para Refugiados e Migrantes do Rio Grande do Sul (COMIRAT-RS), o Instituto DuClima, a Perifa Sustentável, a Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais (RESAMA), o Internal Displacement Monitoring Centre (IDMC), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Igarapé, a Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Universidade Estadual da Paraíba (CSVM/UEPB), a Platform on Disaster Displacement (PDD), a Associação dos Haitianos no Rio Grande do Sul, o Conselho Warao Ojiduna de Belém do Pará, a Associação de Angolanos do Rio Grande do Sul, e o Pacto Global das Nações Unidas no Brasil.
Dados apresentados pelo ACNUR no relatório “Tendências Globais”, lançado neste mês, confirmam haver interrelações diretas entre as situações climáticas extremas e desastres naturais com o deslocamento forçado de pessoas. De acordo com o relatório, ao final de 2023, 75% das pessoas deslocadas estavam vivendo em países com alta ou extrema exposição a riscos relacionados ao clima. Além disso, cerca de metade de todas as pessoas deslocadas à força viviam em países onde permaneciam expostas a conflitos e a riscos relacionados ao clima.
Para o Representante do ACNUR no Brasil, Davide Torzilli, é importante haver colaboração e comprometimento para que as pessoas refugiadas estejam presentes nos espaços de discussão sobre as questões que as afetam diretamente, como no contexto das mudanças climáticas e dos desastres naturais.
“É imperativo atuarmos proativamente na mitigação, preparação e adaptação às mudanças climáticas, com plena inclusão das pessoas refugiadas e outras deslocadas no marco das ações de prevenção e resposta. Isso exige uma colaboração sem precedentes, envolvendo governos, organizações internacionais e outras não governamentais, academia, setor privado e as próprias comunidades afetadas”, disse Torzilli durante o seminário.
Esta necessidade decorre do fato de que, cada vez mais, pessoas refugiadas que já haviam deixado seus países de origem em razão de conflitos, perseguições e graves violações dos direitos humanos estejam sendo, com frequência, novamente impactadas por eventos climáticos extremos e desastres socioambientais nos países em que buscaram proteção.
“Estas populações estão, vale dizer, dentre aquelas particularmente vulneráveis e desproporcionalmente afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas, assim como outros grupos das comunidades de acolhida presentes nesses mesmos territórios”, concluiu.
Terceira Consulta Temática do Processo de Cartagena+40 na Colômbia
Em outro evento realizado nas Américas sobre a questão climática, na Colômbia, houve simultaneamente a Terceira Consulta Temática do Processo de Cartagena+40. Como resultado destas discussões, a resposta regional dos países a situações de deslocamento forçado em contextos de desastres e efeitos adversos das mudanças climáticas terá um enfoque transversal e diferenciado para os grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade, que serão o eixo central de todas as ações.
“Infelizmente, as comunidades que correm mais risco são as que sofrem as consequências da exploração do meio ambiente, que continua ditando o ritmo nas decisões tomadas ao redor do mundo”, afirmou Andrew Harper, Assessor Especial sobre Ação Climática do ACNUR, que está em viagem no Brasil.
“Parabenizo os países das Américas por sua liderança na criação de abordagens regionais para proteger as pessoas que fogem do impacto das mudanças climáticas e dos desastres, nenhum dos quais respeita divisões fronteiriças. No entanto, é urgente o apoio da comunidade internacional para colocar em prática os planos dos quais falamos aqui, em Bogotá”, completou.
Tais efeitos impactam o acesso a soluções duradouras para as populações refugiadas, deslocadas e as comunidades altamente vulneráveis, limitando as opções de um retorno seguro e sustentável a seus países ou territórios, além de afetar as perspectivas de integração nas comunidades que as acolhem.
Considerando que os países da América Latina e do Caribe são altamente vulneráveis aos impactos adversos das mudanças climáticas, e que parte de sua população vive em zonas de alto risco propensas a desastres, as ações de proteção e desenho de soluções implementadas pelos países tornam-se cruciais.
Questões climáticas seguem impactando as populações refugiadas e outras deslocadas
Também na semana passada, dois eventos climáticos extremos acometeram populações refugiadas em diferentes países.
Em El Salvador, desde 16 de junho o país está em emergência nacional devido às intensas chuvas que afetaram grande parte do território. A precipitação já ultrapassou a média mensal para o mês, provocando deslizamentos de terras, transbordamentos de rios e outros danos que já causaram ao menos 12 mortes com 2.800 pessoas vivendo em abrigos públicos. O ACNUR, em coordenação com as autoridades locais, doou mais de 3.200 itens, entre roupas, lonas plásticas, lençóis térmicos, fraldas e kits de higiene.
Em Bangladesh, o ACNUR e seus parceiros humanitários intensificaram o apoio para ajudar cerca de 8.000 refugiados Rohingya que foram afetados na última 4feira (19) por deslizamentos de terra nos campos de refugiados de Cox’s Bazar, em Bangladesh. Relatórios iniciais sugerem que sete refugiados Rohingya foram mortos, incluindo crianças, e muitos outros ficaram feridos. Os deslizamentos de terra aconteceram após as primeiras chuvas de monções que começaram na semana passada, trazendo mais sofrimento aos moradores do campo. Prevê-se que Cox’s Bazaar seja uma das áreas mais atingidas na Ásia pelas alterações climáticas. Cerca de 930 mil refugiados Rohingya que vivem em 33 campos em Cox’s Bazar foram afetados por mais de 770 deslizamentos de terra e inundações desde a sua rápida expansão em 2017, e mais danos são esperados com a previsão de mais chuvas.
No mundo todo, o ACNUR trabalha para incluir as necessidades de proteção das pessoas deslocadas à força e dos refugiados nas políticas e planos de resposta às alterações climáticas, bem como reforçar as capacidades locais de prevenção e mitigação para responder a emergências e prevenir o deslocamento.
O ACNUR continuará a fortalecer as suas operações para responder às necessidades humanitárias e de proteção exacerbadas pela emergência climática, reafirmando o seu compromisso de trabalhar com os governos nacionais e locais para enfrentar esta emergência e fornecer a assistência necessária às pessoas em situações de maior vulnerabilidade social e climática.
Fonte: ACNUR