Complexidade do mercado de varejo e 16.300 credores desafiam processo, o quarto maior do país
Apesar do rumor do mercado de que o pedido de recuperação judicial do grupo Americanas não seria aceito por suspeitas de fraudes contábeis, a 4ª Vara Empresarial da capital do Rio de Janeiro, cidade onde fica a sede da centenária companhia, acatou a petição e deferiu o pedido.
Apresentado às pressas, o documento detalha o cenário atual da empresa, reforça o compromisso com os credores e se vale de sua história de bom relacionamento com todo o mercado para justificar a recuperação judicial. O grande temor do grupo era ter seu fluxo de caixa “aniquilado” por pedidos de antecipação de quitação de dívidas, feitos por alguns de seus maiores credores.
Os números apresentados no pedido confirmam o levantamento prévio dos escritórios Lara Martins Advogados e Mingrone e Brandariz Advogados: trata-se da quarta maior recuperação judicial do país, somando R$ 43 bilhões em dívidas e cerca de 16.300 credores.
Na avaliação de Tiago Gomes, especialista em Direito Empresarial e sócio do Ambiel Advogados, o deferimento do processamento é a verificação dos critérios formais estabelecidos pela lei. “Se as partes são empresárias e exercem atividade há mais de dois anos, se não foram beneficiadas por recuperação judicial nos últimos cinco anos, e se não há condenação em crime falimentar. Além disso, verifica se a petição inicial preencheu os requisitos do artigo 50, e se os documentos exigidos foram todos apresentados”, explica.
Há risco de falência?
Pela lei de recuperação e falências, reformada em 2020, as regras são claras. “Agora o grupo tem 60 dias para apresentar o plano de recuperação judicial aos credores”, esclarece Fernando Brandariz, sócio do Mingrone e Brandariz Advogados e presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB Pinheiros.
Antes disso, “deverá ser publicado edital contendo a relação completa dos credores, o valor completo da dívida indicada pela devedora e a classificação desse crédito”, explica Tiago Gomes. A classificação é feita da seguinte forma: crédito com garantia real, sem garantia real, trabalhista ou relacionado a micro e pequenas empresas.
“Uma vez feito isso, abre-se prazo para que os credores confirmem esse crédito, ou se alguém deixou de ser incluído, eles habilitam o seu crédito para poder participar da recuperação judicial”, continua Tiago Gomes.
Filipe Denki, sócio do Lara Martins Advogados e diretor da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB, explica que, com a recuperação judicial, o grupo ganha fôlego. “As execuções de dívidas ficam paralisadas por 180 dias. Em paralelo, corre o processo, que envolve aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores, em assembleia”, afirma.
Em sua visão, terá de haver um esforço incomum de acionistas e controladores para levar adiante este processo. “Já é a quarta maior recuperação judicial do país, e que poderá ficar marcada não apenas pelo valor do passivo, mas como uma das maiores fraudes do Brasil, já que pessoas ganharam dinheiro com informações privilegiadas, antes de todo o mercado financeiro, o que agrava ainda mais a situação.”
Tiago Gomes, que também é Mestre em Direito Comercial pela USP e membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBCC), explica que após a apresentação de proposta pela devedora, os credores têm 30 dias para avaliar o documento e convocar uma assembleia para votar a aceitação ou não. Nesta votação, todas as classes de credores devem aprovar a proposta. Uma vez aprovado, o juiz homologa e se inicia o pagamento da forma que se propôs.
Pela nova lei de recuperação judicial e falências, os credores ainda possuem uma carta na manga, em caso de não aprovação da proposta da devedora. “Eles podem propor um plano alternativo e colocá-lo em votação. Se aprovado, segue o mesmo caminho: é homologado pela justiça e começa a ser cumprido. Caso contrário, é decretada a falência”, esclarece Tiago Gomes.
Lista das maiores recuperações judiciais do país
Obebrecht – R$ 80 bilhões — ainda em processo. Iniciada em 2019
Oi – R$ 65 bilhões — finalizada após seis anos, em dezembro de 2022
Samarco – R$ R$ 55 bilhões — ainda em processo, desde 20221
Americanas – R$ 43 bilhões
Sete Brasil – R$ 19 bilhões – ainda em processo de RJ. Iniciado em 2016
OGX – R$ 12,3 bilhões – iniciada em 2014, finalizada em 2017
(levantamento: Lara Martins Advogados, Mingrone e Brandariz Advogados)
Sobre as fontes:
Fernando Brandariz, advogado especializado em Recuperação Judicial, Planejamento Sucessório e Proteção de Bens. Presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB Pinheiros. Sócio do escritório Mingrone e Brandariz.
Filipe Denki, advogado, sócio do Lara Martins Advogados. Formação Executiva em Turnaround Management pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ex-Presidente da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência da OAB/GO (triênio 2019/2021). Diretor da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB (triênio 2022/2024). Diretor do Instituto Brasileiro de Direito da Empresa — IBDE.
Tiago Gomes, advogado, sócio do Ambiel Advogados, especialista em Direito Empresarial, Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa — IBGC.
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