Foto/Divulgação: TSE

Na próxima quinta, 3 de novembro, é comemorado o Dia da Instituição do Direito e Voto da Mulher. Foi em 1932 que o Código Eleitoral Brasileiro passou a assegurar às mulheres tanto o direito ao voto quanto o direito de ser votada. Mas 90 anos depois, há muito ainda a progredir no cenário político do país.

Nas últimas eleições nacionais, apenas 17,7% das cadeiras da Câmara foram ocupadas por mulheres. Quando se analisa senadoras e governadoras, esse percentual é ainda menor. Para entender melhor as raízes históricas em prol do movimento pelo voto feminino e o contexto atual do Brasil, conversamos com a professora Clara Maria de Oliveira Araújo, do Departamento de Sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Segundo Araújo, a luta pela aprovação do voto feminino teve grande influência do cenário político externo. “Ela acompanhou um movimento internacional, principalmente da Inglaterra e Estados Unidos, que tiveram grandes representantes sufragistas. No início do século XX, já temos mulheres se mobilizando por isso no Brasil. Deolinda Daltro teve um papel importantíssimo. Ela era professora e fazia um trabalho humanitário com indígenas, era uma mulher muito à frente do seu tempo, que criou o Partido Republicano Feminino, e foi uma das precursoras do movimento. Bertha Lutz também teve um papel importantíssimo, assim como a Federação das Mulheres Brasileiras. Elas pertenciam à elite, tinham mais acesso ao estudo, viajavam para fora do país e voltavam com essa influência das lutas. E foi importante também a participação delas em grupos sociais e movimentos coletivos de caridade, porque lidavam com questões relacionadas ao dia a dia, à vida cotidiana”, explica.

Araújo destaca ainda que a luta sofreu grande resistência de diferentes atores da sociedade. “Essas mulheres começaram a articular essa movimentação com alguma repercussão na imprensa, mas inicialmente era com muita resistência. Havia uma clara característica contestatória, pois era visto como um movimento de mulheres desobedientes, histéricas. Havia um conservadorismo marcante na sociedade brasileira. Como essa luta era travada por mulheres que pertenciam à elite, letradas, liberais e progressistas, elas também conseguiam abertura junto à elite política, adentrando certos espaços para fazer pressão e conversar sobre o voto”, aponta.

Para a pesquisadora, é relevante também analisar o contexto político do país na época. “Era um país polarizado. Por um lado, uma política coronelista, oligárquica, ligada ao Brasil agrário; e por outro, havia Getúlio Vargas montando um projeto mais ligado a forças urbanas, a setores médios e trabalhadores. Esse cenário ajuda a explicar a incorporação do direito ao voto no Código Eleitoral, porque, de certa forma, ele pegava uma parcela da sociedade que não podia votar, mas que já estava trabalhando, que era esse Brasil urbano que Getúlio estava querendo conquistar. É um voto que ele queria, de trabalhadoras urbanas”, destaca.

Além do direito ao voto, as mulheres também passaram a ter o direito de serem votadas. Nesses 90 anos, algumas iniciativas foram implementadas com o objetivo de melhorar a representatividade feminina na política. Ainda assim, nas últimas eleições nacionais, apenas 34,7% das candidaturas para a Câmara foram femininas. Araújo explica algumas dessas ações em prol de melhorar o quantitativo de mulheres na política.

“Esse número de quase 35% já é fruto de muitas iniciativas que foram feitas ao longo dos últimos 25 anos, que são, além das cotas a partir de 2018, alguns movimentos de parlamentares mulheres, que conseguem incluir nas reformas eleitorais, por exemplo, uma cota para financiamento de campanhas, uma cota no tempo da propaganda eleitoral. E agora, a partir desse ano, começou a valer algo que é muito inovador e importante, o estímulo de contagem em dobro dos votos das mulheres na hora de distribuir os recursos do Fundo Eleitoral. Ainda assim, chega a 35%”, esclarece.

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), popularmente conhecimento como fundo eleitoral, é um “fundo público destinado ao financiamento das campanhas eleitorais dos candidatos”. Ele utiliza recursos do Tesouro Nacional que são distribuídos aos partidos políticos para financiar suas campanhas nas eleições. A Emenda Constitucional 111/21 determina a contagem em dobro comentada por Araújo. “Art. 2º Para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do FEFC, os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro”.

Para Araújo, há que se investir ainda em outras ações para aumentar o percentual feminino de candidatas eleitas, visto que, em 2022 apenas 17,7% das cadeiras da Câmara foram ocupadas por mulheres. “Há duas principais ações que precisam ser estimuladas. Primeiramente, é preciso um incentivo por parte dos partidos políticos, porque você não constrói uma candidatura de um dia para o outro, no ano da Eleição. Você constrói trajetórias e carreiras ao longo do tempo. Quando você já tem um cargo, a chance de se eleger é muito maior. Então, essa é uma questão de médio prazo. É preciso investimento e também um olhar para mulheres que muitas vezes não estão na política partidária, institucional, mas que estão em outras áreas da política, como uma associação de moradores, um sindicato. Além disso, há estudos sendo feitos sobre a importância de ter mulheres nos cargos dirigentes dos partidos, para que elas possam olhar com antecedência e trazer mais mulheres”, comenta.

O segundo ponto importante, para ela, é colocar na agenda pública a questão da candidatura feminina. “É preciso que as campanhas estejam na televisão, tem que atrair mais pessoas, não apenas mulheres, como também negros. Isso ajuda a chamar a atenção para a importância da política. Nos EUA, já em colégios, estão fazendo investimentos para mostrar para meninas que elas também podem. É a representação simbólica, pois se você não vê ali alguém que tem o seu perfil representado, você pensa que aquilo é inacessível. É preciso familiarizar o poder para todos, é preciso essa formação desde a adolescência”, conclui.

Clara Maria de Oliveira Araújo é professora do Departamento de Sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ICS/Uerj) e integrante do Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados.

Fonte: Ascom/Uerj

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *